por André Luís
"Gente, a Bolívia é um caldeirão!", disse Sarah, uma das nossas caravaneiras doutorandas. Tal frase foi proferida exatamente em um ambiente de fervor social. Estávamos passando por Oruro, uma cidade a caminho de La Paz, e nos deparamos com mais um piquete na estrada. Dessa vez, um grupo da região reinvidicava - através do bloqueio, que já estava no seu segundo dia - o direito aos documentos de posse das terras que já ocupavam há 7 anos.
Era uma manifestação de trabalhadores rurais que se organizavam em uma hierarquia bem definida: As mulheres ficavam sentadas com as crianças no bloqueio, os homens faziam a proteção e os líderes negociavam com a prefeitura na cidade. Os que estavam no piquete não davam entrevistas nem explicações oficias, deixavam isso para os líderes. Quando chegava a noite, eles se recolhiam às suas casas, para descansar e continuar o protesto no próximo dia.
A relação com as autoridades era interessante, já que elas reconheciam e apoiavam a manifestação. Foi um ótimo laboratório de análise, tanto para os caravaneiros pesquisadores de movimentos sociais quanto para quem queria começar a entender a Bolívia.
Quando saímos, ainda tivemos que pegar alguns engarrafamentos, que atrasaram nossa chegada na esperada La Paz para as 2h da manhã. Nem preciso dizer que o cansaço reinava, né? Entretanto, sabíamos que nos esperava um abrigo confortável para compensar o que passamos.
Logo ao chegar, a primeira boa notícia: havia um lugar em frente ao hotel para estacionar o ônibu. Vocês podem até estranhar a importância que atribuo a este fato, mas só a gente sabe como é difícil lidar com o Inulatão. É como um filho da Caravana, temos que estar sempre pensando onde vamos deixá-lo, limpá-lo, fazer a manutenção etc. Nas fronteiras, o mais difícil não é passar os caravaneiros e sim o ônibus. Por causa dele, frenqüentemente ficamos algumas horas tomando um chá de cadeira - ou melhor, de poltrona.
No dia seguinte, depois de tomar café, vestimos nossa manta sagrada (a camisa amarela personalizada do Inulat) e fomos à rua. Na porta do hotel, nos esperavam: uma diplomata, o presidente da Odebrecht na Bolívia e uma Land Rover prateada. Somente alguns tiveram o privilégio de passear no carrão da Embaixada Brasileira. O resto pegou um táxi, o que não deixa de ser uma viagem interessante também. Quando digo interessante, quero enfatizar o fato do trânsito de La Paz ser tão caótico. As ruas da cidade são extremamente estreitas e bastante enladeiradas. As leis de trânsito não são respeitadas e os motoristas não se importam em enfiar o carro em quem estiver passando. Durante o dia, os engarrafamentos acontecem a todo momento, fazendo parecer que as ruas estão a uma gota da saturação. Acrescente a este cenário muitas buzinas, ônibus chineses antigos e muitos, mas muitos, táxis e você vai ter uma idéia do que é a capital boliviana.
Nosso destino era o prédio da Assembléia Legislativa, câmara de deputados e senadores. Lá tivemos uma boa visita conduzida por um sábio funcionário local. Pudemos conhecer mais sobre a estrutura política da nação e entender o que significa o novo Estado Plurinacional da Bolívia criado por Evo Morales. Depois do almoço, fomos ao Palácio do Governo aprender mais sobre a história do país. Essa visita deu início ao nosso processo de encantamento com a Bolívia, principalmente devido à paixão com que foi conduzida a apresentação. Conseguimos criar um sentimento de proximidade com a(s) nação(ões) através da identificação dos seus principais ícones. Foi também o começo do despertar da consciência de que Evo está presente no coração da maioria dos bolivianos, já que a população acredita veementemente que um novo estado socialista está sendo formado.
Foto por Ramón Mota Coutinho
Nos seminários, várias personalidades bolivianas, que tentavam cobrir quase todos os aspectos que envolvem a Bolívia, seguindo os nosso tópicos principais: instituicões governamentais, universidades e movimentos sociais. Foram experiências incríveis, a embaixada do Brasil jogou duríssimo. Parabéns para eles!
Dentre as colocações, destaque para um competente economista acadêmico, que ofereceu um bom panorama sobre o país, e o polêmico presidente do Banco Mundial da Bolívia, que falou muito bem e criou um debate produtivo entre o grupo. Ao final, outra ótima surpresa. Fomos convidades a um coquetel especial com o embaixador. O mesmo era bastante acessível e simpático, conversou com todos, nos deu dicas e passou contatos, fez piadas e contou estórias. Que figura! Bom ressaltar a oportunidade que ele ofereceu a um dos caravaneiros: o estudante de arquitetura Carlos. Ele tem uma bienal de propaganda na Polônia, e o embaixador garantiu todos os custos envolvendo a viagem, inclusive a infra-estrutura para ficar no país.
Depois de 3h sendo tratados como reis, nos despedimos a figura e dos muitos diplomatas que estavam no recinto e fomos ao hotel. No final do dia ainda tivemos pique para comemorar o aniversário de uma das caravaneiras, Camila. Entretanto, tudo que é bom dura pouco. No dia seguinte, saímos de manhã cedo e nos despedimos de La Paz que tanto nos encantou.
Foto por Ramón Mota Coutinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário