domingo, 21 de fevereiro de 2010

Últimos dias no Peru

 
Chimbote: muitos barcos pesqueiros, mas nos traumatizamos com a comida.

Antes de chegar a Piura, dormimos uma noite em Trujillo. No caminho, almoçamos em Chimbote - uma experiência não muito agradável... Só para citar alguns pontos traumáticos: não havia água no restaurante (no banheiro, apenas uma bacia com água suja para dar descarga e lavar as mãos) e os "mariscos" (leia-se lula) que havíamos pedido tinham passado do ponto, o que tornava necessário mastigar por pelo menos um minuto e quarenta (sim, nós cronometramos) para conseguir engolir.

 Caravaneiros observam os barcos na orla de Chimbote

Por causa de um pneu furado (nada grave!), acabamos nos atrasando para o encontro na universidade de Piura, o que inviabilizou nossa visita, devido à agenda dos professores. Porém, acabamos passando a tarde e a noite na cidade, o que permitiu relaxar e "recarregar as baterias".

 Piura: trânsito povoado por "tuctucs"

No dia seguinte, visitamos a cidade de Paita, onde fica o segundo porto mais importante do Peru (o primeiro é Callao). Fundada em 1532 por Francisco Pizarro, a cidade ainda conserva o estilo colonial nas suas casas, apesar da falta do mal estado de conservação.

Na hora de cruzar a fronteira, o que mais demorou foi encontrar o posto de imigração do Equador - estava tão longe da saída do Peru que nos deixou bastante confusos. Dormimos em Machala, onde chuvas torrenciais haviam deixado as ruas totalmente alagadas. Algumas pessoas também descobriram que seus quartos no hotel estavam deibaixo d'água, mas ainda bem que conseguiram ser realojados!


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A novela das rotinas das capitais. Episódio de hoje: Lima, Peru

por André Luís

A essa altura da viagem, podemos dizer que o grupo já se acostumou com a rotina nas capitais. A estadia nos hotéis, a alimentação programada, a correria para cumprimento da agenda e os passeios turísticos dividos por interesses. Por um determinado ponto de vista, pode-se dizer que a gente até se acomodou e a espera pela chegada nas capitais meio que ofusca a viagem de ônibus pelos interiores do país. É fácil perceber que o grupo perdeu um pouco o interesse na janela do Inulatão e está buscando outras formas de passar o tempo como leituras de livros, jogos eletrônicos ou até dormir por longas horas.


No dia seguinte à chegada, uma manhã livre para mais descanso. De tarde, uma visita a uma ruína dos Limas, povo indígena pré-inca. Uma espécie de pirâmide no meio da cidade, reformulada em parte pelos arqueólogos. Um ponto turístico interessante, mas polêmico, já que aproximadamente 20% da sua estrutura foi "reconstruída". Em seguida, fomos à embaixada brasileira, ouvir uma palestra sobre a história geral do Peru, tanto antiga como atual. Vale frisar a necessidade de ocasiões como estas, assim como tivemos na Bolívia, pois nos preparam para o país que estamos visitando e nos abrem o nossos olhos críticos para o que vamos experienciar.

No outro dia, tivemos uma reunião com a Odebrecth, na qual nos foram apresentadas as obras da empresa e um panaroma sobre o país em relação à construção civil. Um momento bem produtivo, especialmente para mostrar mais uma vez nosso trabalho ao patrocinador.


À noite alguns membros do grupo conseguiram sair para uma rua famosa de bares e curtir a noite. No outro dia, tivemos uma conversa com a reitoria da Universidade de São Marcos, a mais antiga do continente, uma visita ao Museu Nacional, que infelizmente estava em reforma, e o Ministério da Mulher e Desenvolvimento Social. Há de se reconhecer que este último foi uma das instituições que mais se prepararam para a nossa visita. Haviam representantes de todos os setores e houve uma explicação bem representativa e ilustrativa do trabalho do ministério.


 

Naquela noite, tiramos um tempo para descansar e nos preparar para sair às 5h da manhã do dia seguinte. Seguimos em direção a Piura, que possui uma relevância para o projeto do BIO10. Vamos cruzar os dedos para ver se dá algo produtivo.

A América do Lago Titicaca

por André Luís

Após o encantado encontro com a Bolívia, seguimos viagem ao norte, para o país do famoso povo Inca. A expectativa para o Peru era muito grande, considerando as riquezas arqueológicas que existem em seu território (leia-se Machu Picchu). Entretanto, como todos sabem, a situação nesta que é uma das sete maravilhas do mundo não está muito boa. Os efeitos das intensas chuvas deixaram vários turistas ilhados, além de bloquear a passagem pelas mal-cuidadas estradas de terra que existem ao redor de Cuzco. Sendo assim, uma ordem inquestionável veio da coordenação: nada de Machu Picchu!

Conformados com a situação, até porque temos consciência que esse não é nosso principal objetivo, seguimos nosso novo trajeto. Primeiro, uma espécie de tentativa de compensação: fomos visitar as ruínas da cultura Tiwanaku, um povo que existiu muito antes dos Incas e cujo poder se estendeu por uma grande parte do lago Titicaca. Foi uma visita muito interessante, com direito a construções incríveis e bastante simbólicas. Fomos acompanhados por um guia com bastante desenvoltura e tiramos bastantes fotos.



Ainda na Bolívia, o objetivo era chegar a Copacabana, um cidade que divide a fronteira com o Peru. Mas, para isso, tivemos um desafio: cruzar o Inulatão de balsa por um rio. O pessoal da região já está acostumado e possui algumas balsas supostamente preparadas para tal. Entretanto, as condições da mesma eram bastante precárias. O cruzamento do rio acabou tendo toques de emoção e medo, já que em certos momentos pareceu que haveria um acidente com o ônibus, principalmente na saída da balsa do outro lado do rio. Felizmente, o prejuízo foi mínimo: alguns estragos na ponta do escape e no pára-choque traseiro. Afinal de contas, nosso motoristas são verdadeiros heróis das estradas, mesmo que em plena água.


Poucas horas depois, estávamos em Copacabana. Paramos em um hotel meio fajuto, mas, nessas horas e nesse frio, ter água quente no banho já é um grande luxo. E que frio! Naquela noite, teve até chuva de granizo! Pela manhã, pegamos um barco para navegar no Lago Titicaca com o objetivo de conhecer o Vale do Sol. O lugar estava cheio de turistas, que lotaram três espaçosas escunas.


A viagem foi incrível. O lago é tão grande que, ás vezes, parecia o mar. É o segundo lago em extensão superficial da América Latina e o mais alto em todo o mundo (3800 m!). Possui uma profundidade máxima de 300m, o que o torna ideal para navegação. Ao seu redor, as civilizações peruanas e bolivianas se instalaram, utilizando o rico potencial do corpo hídrico para desenvolvimento de suas culturas. Foi o caso dos Tiwanaku, que construíram suas cidades à beira do Titicaca. O Vale do Sol, por exemplo, possui um preservado templo utilizado pelos povos ancestrais Tiwanaku e Inca. Fomos lá e tiramos algumas fotos.


Ao voltar da viagem, seguimos para a fronteira para passar de um país andino para o outro. Não houve maiores problemas, somente um azar de sistema fora do ar que atrasou um pouco a nossa viagem. O primeiro destino que paramos foi em Puno, uma cidade peruana bem famosa. Acabamos por dar sorte pois era época de carnaval e as ruas estavam em plena festa. Nem precisa dizer que vibramos com a oportunidade. Tanto que mal nos instalamos, já fomos ver o carnaval de perto. Na primeira olhada, outra surpresa: as festividades eram feitas com danças personalizadas de cada comitiva que representam as diferentes cidades do país. As manifestações culturais eram tão autênticas e animadas que ficamos abestalhados com tudo e acabamos filmando uma grande parte do desfile dos grupos. Aí vai uma prévia:



Seguimos direto para Lima, onde muitas atividades nos esperam.

Se encantando com A Paz

por André Luís

"Gente, a Bolívia é um caldeirão!", disse Sarah, uma das nossas caravaneiras doutorandas. Tal frase foi proferida exatamente em um ambiente de fervor social. Estávamos passando por Oruro, uma cidade a caminho de La Paz, e nos deparamos com mais um piquete na estrada. Dessa vez, um grupo da região reinvidicava - através do bloqueio, que já estava no seu segundo dia - o direito aos documentos de posse das terras que já ocupavam há 7 anos.

Era uma manifestação de trabalhadores rurais que se organizavam em uma hierarquia bem definida: As mulheres ficavam sentadas com as crianças no bloqueio, os homens faziam a proteção e os líderes negociavam com a prefeitura na cidade. Os que estavam no piquete não davam entrevistas nem explicações oficias, deixavam isso para os líderes. Quando chegava a noite, eles se recolhiam às suas casas, para descansar e continuar o protesto no próximo dia.

A relação com as autoridades era interessante, já que elas reconheciam e apoiavam a manifestação. Foi um ótimo laboratório de análise, tanto para os caravaneiros pesquisadores de movimentos sociais quanto para quem queria começar a entender a Bolívia.


Quando saímos, ainda tivemos que pegar alguns engarrafamentos, que atrasaram nossa chegada na esperada La Paz para as 2h da manhã. Nem preciso dizer que o cansaço reinava, né? Entretanto, sabíamos que nos esperava um abrigo confortável para compensar o que passamos.

Logo ao chegar, a primeira boa notícia: havia um lugar em frente ao hotel para estacionar o ônibu. Vocês podem até estranhar a importância que atribuo a este fato, mas só a gente sabe como é difícil lidar com o Inulatão. É como um filho da Caravana, temos que estar sempre pensando onde vamos deixá-lo, limpá-lo, fazer a manutenção etc. Nas fronteiras, o mais difícil não é passar os caravaneiros e sim o ônibus. Por causa dele, frenqüentemente ficamos algumas horas tomando um chá de cadeira - ou melhor, de poltrona.

No dia seguinte, depois de tomar café, vestimos nossa manta sagrada (a camisa amarela personalizada do Inulat) e fomos à rua. Na porta do hotel, nos esperavam: uma diplomata, o presidente da Odebrecht na Bolívia e uma Land Rover prateada. Somente alguns tiveram o privilégio de passear no carrão da Embaixada Brasileira. O resto pegou um táxi, o que não deixa de ser uma viagem interessante também. Quando digo interessante, quero enfatizar o fato do trânsito de La Paz ser tão caótico. As ruas da cidade são extremamente estreitas e bastante enladeiradas. As leis de trânsito não são respeitadas e os motoristas não se importam em enfiar o carro em quem estiver passando. Durante o dia, os engarrafamentos acontecem a todo momento, fazendo parecer que as ruas estão a uma gota da saturação. Acrescente a este cenário muitas buzinas, ônibus chineses antigos e muitos, mas muitos, táxis e você vai ter uma idéia do que é a capital boliviana.



Nosso destino era o prédio da Assembléia Legislativa, câmara de deputados e senadores. Lá tivemos uma boa visita conduzida por um sábio funcionário local. Pudemos conhecer mais sobre a estrutura política da nação e entender o que significa o novo Estado Plurinacional da Bolívia criado por Evo Morales. Depois do almoço, fomos ao Palácio do Governo aprender mais sobre a história do país. Essa visita deu início ao nosso processo de encantamento com a Bolívia, principalmente devido à  paixão com que foi conduzida a apresentação. Conseguimos criar um sentimento de proximidade com a(s) nação(ões) através da identificação dos seus principais ícones. Foi também o começo do despertar da consciência de que Evo está presente no coração da maioria dos bolivianos, já que a população acredita veementemente que um novo estado socialista está sendo formado.

Foto por Ramón Mota Coutinho

Após a ótima tarde institucional, tivemos o resto do dia livre. Assim, fomos às compras! Seguimos para a Calle de las Brujas, uma rua de artesanatos bastante famosa. À noite, todos os caravaneiros se reservaram em seus confortáveis quartos, para descansar e organizar suas coisas. Afinal, o dia seguinte prometia: embaixada brasileira, coletiva de imprensa e muitas palestras.


Nos seminários, várias personalidades bolivianas, que tentavam cobrir quase todos os aspectos que envolvem a Bolívia, seguindo os nosso tópicos principais: instituicões governamentais, universidades e movimentos sociais. Foram experiências incríveis, a embaixada do Brasil jogou duríssimo. Parabéns para eles!

Dentre as colocações, destaque para um competente economista acadêmico, que ofereceu um bom panorama sobre o país, e o polêmico presidente do Banco Mundial da Bolívia, que falou muito bem e criou um debate produtivo entre o grupo. Ao final, outra ótima surpresa. Fomos convidades a um coquetel especial com o embaixador. O mesmo era bastante acessível e simpático, conversou com todos, nos deu dicas e passou contatos, fez piadas e contou estórias. Que figura! Bom ressaltar a oportunidade que ele ofereceu a um dos caravaneiros: o estudante de arquitetura Carlos. Ele tem uma bienal de propaganda na Polônia, e o embaixador garantiu todos os custos envolvendo a viagem, inclusive a infra-estrutura para ficar no país.

Depois de 3h sendo tratados como reis, nos despedimos a figura e dos muitos diplomatas que estavam no recinto e fomos ao hotel. No final do dia ainda tivemos pique para comemorar o aniversário de uma das caravaneiras, Camila. Entretanto, tudo que é bom dura pouco. No dia seguinte, saímos de manhã cedo e nos despedimos de La Paz que tanto nos encantou.

Foto por Ramón Mota Coutinho

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O caminho a Potosí

Apenas 350km separam San cristóbal de Potosí, mas chegar ao nosso destino parecia impossível. A estrada que liga as duas cidades é de terra e, em alguns trechos, bastante estreita. As curvas são fechadas, o que obrigou os motoristas a dirigirem com ainda mais cautela. Não conhecíamos o caminho e a falta de sinalização fez com que nos perdêssemos, atrasando bastante a viagem. Não havia postos de gasolina, restaurantes ou hotéis no caminho. Ou seja: ninguém desceu do ônibus durante as 14h de percurso. Aliás, algumas pessoas desceram em momentos críticos.

O primeiro desafio foi passar por uma curva perigosa, na beira de uma ribanceira. Nosso excelente motorista, Domício, se concentrou para fazer a manobra e, com a ajuda de muitos caravaneiros dando instruções do lado de fora, além do seu grande companheiro na condução, Seu Marivaldo - que também ajudou com sua fé e energia positiva - conseguiu passar pelo trecho com segurança.

Mais tarde, chegou o segundo desafio: a água da chuva criou um "rio" no meio da estrada e não havia desvios ou rotas alternativas. Danilo e Fabrizzio se predispuseram a verificar a profundidade da água. Descalços, atravessaram o gélido riacho, com lama quase até os joelhos. Graças ao trabalho dos dois, o Inulatão pôde passar com mais tranqüilidade e vencemos mais um obstáculo das estradas bolivianas. Muitas outras vezes, os caravaneiros tiveram que pedir informações às comunidades por onde passávamos, para assegurar que estávamos no caminho certo. Numa destas ocasiões, acabamos dando carona a três bolivianos.

À noite, começou a chover, a terra virou lama e o ônibus quase atolou. Os carros da frente, menores, ficaram presos, impedindo que outros veículos transitassem pela via. Já era quase meia-noite. Nosso herói, Fabrizzio, vestiu uma lanterna na cabeça e foi averiguar a melhor maneira de contornar a situação, acompanhado pro Felippe. Esperamos durante quase uma hora, num frio de congelar os dedos, até que o carro da frente conseguisse seguir. Algum tempo depois, chegamos a Potosí, cidade que, na época do domínio espanhol, chegou a ser "o nervo principal do reino", como definiu o vice-rei Furtado de Mendonça, devido à abundância da prata. Em aproximadamente 1650, Potosí tinha a mesma quantidade de habitantes que Sevilha, Madri, Roma ou Paris. No século XVIII, no entanto, começa seu declínio.

A chegada na Bolívia

Deixamos San Pedro de Atacama às 9h do dia 30/01. Para entrar na Bolívia, era preciso passar pela cidade de Ollagüe. O que não esperávamos era que a estrada seria tão ruim: não havia asfalto na maior (ou, pelo menos, o que pareceu ser a maior) parte do trecho. Raramente apareciam placas, o que nos deixava na dúvida sobre se aquele era o caminho correto. Apenas dois caminhões passaram pela mesma estrada que nós - não havia nenhum carro, nenhum posto de gasolina, nenhuma cidade ou povoado por perto. Ao chegar à fronteira, não tivemos grandes problemas além de ter que esperar até que a luz voltasse para continuar o trâmite.

De Ollagüe, a idéia inicial era seguir até Uyuni, que está bem perto, para conhecer o maior deserto de sal do mundo. No entanto, as condições inesperadas da estrada mudaram nossos planos. O ônibus tremia com os buracos da pista. Já não dava para guardar bolsas, mochilas ou edredons nos compartimentos superiores, porque acabavam caindo nas poltronas. Tivemos que parar em San Cristóbal, uma cidade bem pequena no meio do caminho para Uyuni. Jantamos num pequeno restaurante, que ainda estava aberto tarde da noite. Nosso hotel foi o melhor da cidade, com água quente e tudo.

O frio era muito intenso, parecia que nem com várias camadas de roupas sobrepostas seria possível suportá-lo. Já estávamos numa altitude bastante elevada, mas poucas pessoas tiveram o chamado "mal da altitude". Para os que apresentavam sintomas, o nosso médico de plantão receitava mascar folhas de coca, o que se mostrou bastante efetivo. Mas, se alguém piorasse, também tínhamos medicamentos convencionais disponíveis.